#35 - O amor bate na aorta
Aviso de gatilho:
Eu ainda não sei lidar com a morte do meu pai, mesmo um ano e meio mais tarde. E como faço com a maior parte das coisas com as quais não sei lidar, escrevi um texto a respeito. Está cru. Assim como é a morte. E está completamente diferente das coisas que costumo escrever. Até fiquei na dúvida se iria enviá-lo ou não. A qualidade está sem dúvidas duvidosa. Escrevi, apaguei, voltei a escrever. A dor adormece os sentidos e o julgamento. De qualquer forma, aqui está.
“não sendo um acidente, ou desastre, as pessoas geralmente morrem de câncer ou de algum motivo cardíaco”, você disse, introduzindo a má notícia de forma leve, quase irônica, naquele dia tão distante que já não lembro se fazia sol ou chuva. mas provavelmente estava calor, pois nessa cidade, representante do inferno na Terra, os termômetros sempre estão pelo menos batendo a casa dos 30C.
“é uma cirurgia de peito aberto, sabe. nada trivial”, você acrescentou no informe sobre seu estado de saúde.
não deu tempo. seu coração pifou num susto. é claro que houveram sinais, mas fomos, todos nós, extremamente hábeis em ignorá-los. ninguém sabe lidar diante do medo, quando se vê de frente para a eternidade do inevitável.
às vezes eu lembro de você e meu coração se enche de um sentimento sem nome, que na falta de uma descrição melhor, chamo de gratidão. sinto o ar mais leve à minha volta. vejo sua presença imaterial nas pequenas coisas e gestos de beleza.
mas às vezes, quando penso em você, não consigo evitar que lágrimas desçam violentamente pelos meus olhos. é um choro selvagem. é uma água represada que se arrebenta, que sai com força, que leva meu fôlego, que me dá falta de ar. é uma cena de filme, soluço em alto som. perco o rumo, alienada de todas as coisas que eram tão nossas.
a gente conversava tão naturalmente sobre a morte pois, um pouco narcisistas, não achávamos que ela se aplicaria a nós. mesmo tendo perdido tantos e tão próximos. (nossa família cada vez menor; nossa espécie se extinguindo da face da Terra).
sofrer é simplesmente o efeito colateral de amar. um amor tão grande como o nosso por você ainda vai doer bastante e duvido que um dia consiga me acostumar com a sua falta, o enorme espaço vazio que você deixou. as marcas do seu corpo, agora vertido a pó, ainda são visíveis dentro de casa.
Mural de avisos
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- Estou terminando de ler “A História Secreta“, de Donna Tartt, um thriller no maior estilo dark academia que está me deixando completamente atordoada, mas de uma forma positiva. Amando
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“If we could just be on earth at the same place and same time as everyone we loved, if we could be born together and die together, it would be so simple. And it’s not. But listen: You two are on the planet at the same time. You’re in the same place now. That’s a miracle. I just want to say that.”
Rebecca Makkai no livro “The Great Believers“
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“Go after her. Fuck, don’t sit there and wait for her to call, go after her because that’s what you should do if you love someone, don’t wait for them to give you a sign cause it might never come, don’t let people happen to you, don’t let me happen to you, or her, she’s not a fucking television show or tornado. There are people I might have loved had they gotten on the airplane or run down the street after me or called me up drunk at four in the morning because they need to tell me right now and because they cannot regret this and I always thought I’d be the only one doing crazy things for people who would never give enough of a fuck to do it back or to act like idiots or be entirely vulnerable and honest and making someone fall in love with you is easy and flying 3000 miles on four days notice because you can’t just sit there and do nothing and breathe into telephones is not everyone’s idea of love but it is the way I can recognize it because that is what I do. Go scream it and be with her in meaningful ways because that is beautiful and that is generous and that is what loving someone is, that is raw and that is unguarded, and that is all that is worth anything, really.”
Harvey Milk
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