#32 - O copo vazio está cheio de ar
A história de M.
ela sabia. seria uma estupidez continuar pensado nele durante todos os dias restantes de sua vida. era, sem dúvida, uma prova de burrice lembrar dele em suas tardes de sol, em seus momentos mais felizes, trazendo um fantasma para uma realidade onde não pertencia. mas ela não conseguia evitar.
era maçante para seus amigos ouvir todos os dias a mesma história daquele encontro fortuito que agora beirava completar mais um ano de existência.
não sei de qual material é feito o coração, do que se alimenta ou que tipo de planta nele é capaz de crescer. talvez o acaso, trabalhando como gestor de tantas dores e sorrisos, seja seu fermento, pó royal, e fomente suas dores, desejos e histórias.
a questão é que não deveriam nunca ter se encontrado. um dia em que parcas se distraíram, átomos dançaram e astros saíram de órbita, seus sorrisos deram um sinal e seus corpos se atraíram. seus espíritos primitivos dividiram alguns segredos e, debaixo de lençóis suados, se amaram em um silêncio incomum.
para que tanto teatro, tanta química e toques mansos se nada daquilo amarraria suas histórias? pensaria, rasgando o peito em soluços numa noite sem estrelas e amaldiçoando essa brecha do destino ao entornar mais um copo de cerveja.
meses passaram por sua janela na velocidade certa que costumam andar, não poderia se assustar com a rapidez ou demora do tempo. cada dia levou exatamente 24 horas para se completar e ela sentiu cada uma delas na pele, no sangue, no hálito. seu coração, no entanto, continuou em pedaços. deu tempo ao tempo, mas parecia não existir remédio que curasse essa dor.
teve outros amantes, até melhores, mais calmos, mais dignos e belos do que ele. mas no final da noite era sempre ele que passava a mão em sua cabeça, deslizando-a por seu corpo. apenas para desaparecer novamente, numa piada cruel do destino.
tinha dó de seus amigos, queria se mostrar forte, dizer que tudo havia passado, que tudo era belo e nada doía, mas essas palavras soavam falsas até mesmo para seu próprio ouvido. como poderiam acreditar em alguém que bebia todas as noites para evitar sua própria companhia?
vomitava explicações medíocres sobre a razão desse insucesso amoroso, mas sabia, bem no fundo, que não tinha explicação. que homens são homens e que emprestar dos apóstolos seu nome não muda nada, que abraços também são feitos de pena e dó, e que ao se deitar não eram amantes e sim animais, e que nada disso havia significado realmente algo, a não ser na sua imaginação. e agora era fadada a viver correndo tristemente atrás do passado, alimentando suas angustias de lembranças.
(Um textinho inspirado pelo livro “Copo Vazio“)
Mural de avisos
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