Nascida em 1988, faço parte da última geração que lembra da vida antes da Internet. Peguei tanto a época das pesquisas escolares usando informações desatualizadas da Barsa, quanto a Internet discada que minha mãe só permitia usar após a meia-noite, quando era mais barato, e era disputada a tapa em casa.
Dessa forma posso dizer que produzo conteúdo online há pelo menos, chutando baixo, vinte anos, já que meu primeiro blog - no finado Blogspot.com - data de quando tinha por volta de 14 anos.
Desde então muito coisa mudou no mundo online e na minha vida. Mas a escrita foi sempre uma constante para mim, faz parte de quem eu sou, é uma daquelas coisas das quais não consigo fugir.
Se quando era adolescente tinha um blog chamado “A Menina Invisível“, quando entrei na faculdade ele virou “A Mulher Invisível“ e depois foi rebatizado de “Invasões Germânicas“. Tenho os arquivos desses anos todos de texto em algum lugar inóspito da nuvem do WordPress.
Em 2012 eu estava no Insta, tirando fotos dos meus almoços e dos meus pés e tentando fazer legendas engraçadas e ainda assim sagazes. Provavelmente falhei na maior parte das vezes. É preciso scrollar para baixo para conferir.
Quando perdi meus avós em 2011 e 2014, quando virei mãe em 2015 e novamente em 2016, quando mudei de país e depois de um ano voltei ao Brasil em 2017 e 2018. Quando perdi meu pai em 2020 - e depois usei dessa dor como força motriz para criar um projeto que divulga a literatura como cura. Tudo isso foi registrado online.
Com tudo isso em mente, e juntando o fato de que acabei indo trabalhar na área de marketing digital, é natural que eu ocupe uma parcela grande do meu dia pensando sobre os rumos das redes sociais - que têm evoluído numa velocidade avassaladora, difícil de acompanhar.
Vejo uma tendência de massificação. O algoritmo é assustador e não perdoa ninguém. É preciso surfar nas trends para se encaixar ou pelo menos para manter o nariz fora d´água. E é aí que mora o perigo.
Dias desses estava me sentindo um palhaço ao tentar coreografar uma dancinha para o TikTok. O mau estar era muito grande para ser ignorado e tentei identificar de onde vinha esse sentimento. Acontece que não era eu fazendo aquilo. Não era o conteúdo que produzi nos últimos anos e que atraiu um pequeno mas significativo número de seguidores.
Quem eu estava tentando atrair com isso e por qual motivo? Além disso, o quanto da minha essência eu estava perdendo ao tentar me encaixar na trend da musiquinha?
Naquele instante decidi mandar o algoritmo à merda. Voltar a criar conteúdo que acredito e apenas por diversão. Deixar de lado calendário de conteúdo, editorias e harmonização do feed. E vou dizer, não tem medida de unidade conhecida pelo ser humano para calcular o peso que saiu das minhas costas depois de tantos anos de pressão autoimposta.
Decidi, como já dizia tantos anos atrás Mário Quintana, cuidar do meu jardim - virtual - para que ele atraia as borboletas e não ser o palhaço que pinta a cara e finge ser outra pessoa para chamar a atenção.
Um abraço,
Sarah
(O uso do termo jardim não é acidental. Existe um movimento muito bacana na Internet de jardins virtuais. Você lê mais sobre eles aqui)
.Dicas da semana
Sobre livros e leituras
- Ando lendo “Such a Fun Age“, da Kiley Reid, que ganhou a péssima tradução de “Na Corda Bamba“ em português. É mais um livro do tipo “chick-lit“ - que eu amo - é verdade, mas vai muito além disso ao questionar o racismo estrutural num dos países mais racistas do mundo, os Estados Unidos
- Faz um tempo que terminei de ler “O Acontecimento“, da Annie Ernaux, mas só agora a resenha se desengasgou de mim. Que livro, senhoras e senhores. E que tragédia o aborto ainda ser ilegal no Brasil. Clique no link abaixo para conferir meu texto
Mais sobre o mundo literário…
- Donas de casa italianas do século XX
-Matilde Campilho dispara uma flecha
- A felicidade de ser um cara que ama Jane Austen
- Falando em Austen: uma evolução das adaptações da obra da autora para as telas
- Leia um trecho de “Noite no Paraíso”, novo livro de Lucia Berlin, autora de “Manual da Faxineira“
Para assistir
- Entrou em cartaz no CineSesc, de forma online e gratuita, o ótimo “Batismo de Sangue“, baseado no livro de Frei Betto, que narra a história dos frades que atuavam ao lado de Marighella durante a ditadura
- 40 anos após lançamento, “Eu, Christiane F.“ continua difícil de assistir
- Todos os filmes da A24 classificados do pior para o melhor
Para ouvir
- Joni Mitchell cantando “Both Sides Now“ ao vivo aos 78 anos de idade
-Caraca Florence
Outras Dicas
- Como comprar roupas que duram
- Como cuidar da sua saúde mental quando você é seu próprio chefe
Wishlist
- 11 marcas de velas brasileiras para conhecer
“People are like this too, you know,” he says eventually. “We break. We put ourselves back together. The cracks are the best part. You don’t have to hide them.”
Coco Mellors, escritora, em “Cleopatra and Frankenstein“
.Então vamos aos links
- Catastrofizei – e agora?
- Rihanna é a única bilionária que eu apoio - uma mulher negra caribenha que sobreviveu a uma infância de violência, pobreza e abusos
- Aquele velho truque da Meryl Streep
- Importe-se menos
- Marlene Dietrich era bissexual assumida e outros fatos sobre as divas da Era de Ouro de Hollywood
- O arrependimento das compras pandêmicas está batendo
- Para Noah Baumbach, Debbie Harry é a rainha de Nova York
- As nudes da Britney, do Tommy Lee e a misoginia das redes sociais
.Tesourinho
Eu AMO essa música. E as irmãs Haim estão too cool for school nessa performance ao vivo
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Sarah, adoro seu conteúdo! <3
Eu comecei esse ano um perfil literário no Instagram (@personaliteraria) e, no início, tava começando a me bitolar com obrigações tiradas do fundo sabe-se lá de onde, até que me dei conta de que o propósito todo da coisa - que era só exercitar um hobby que eu já fazia no meu perfil pessoal estava se perdendo. Gostei bastante do conceito de jardim digital. Creio que, no fim das contas, é o que tenho em mente quando escrevo sobre um livro que li e publico nas redes. É, sobretudo, pelo prazer que sinto quando faço isso e quando deixo registrado em algum cantinho na internet.
P.S.: obrigado, de coração, por esse vídeo da Florence cantando Cosmic Love. Vou até ouvir o primeiro álbum dela.
E as folhas mimeografadas que chegavam à nossa carteira com aquele delicioso cheirinho de álcool? E as folhas pautadas que levávamos à biblioteca para copiar trechos e mais trechos de livros, para montar o trabalho escolar? A gente é antiga hahaha!
Enquanto lia sua trajetória com os blogs, eu, que estou perto de lançar meu primeiríssimo blog, mesmo me sentindo atrasada, me vejo dividida entre produzir o conteúdo que amo, e ao mesmo tempo, ter que atender o algoritmo para manter a visibilidade e assim, manter as vendas dos meus produtos, que é o meu trabalho em tempo integral. Penso muitas vezes em como a dinâmica das redes sociais nos meteu numa cilada.
Como sempre, amei o texto!