ouvindo a mais triste das músicas da Gal, faço um chá, acendo um cigarro e deito no chão da sala tentando não pensar em tudo que você disse poucas horas atrás.
lembro também das noites em cima do telhado, da fumaça saindo de nossas bocas e sei exatamente por que não para de chover nesse outono cinzento enquanto a Gal canta sobre "sua estupidez".
empresto a letra de Roberto Carlos e a voz da cantora e também canto, como se escrevesse simultaneamente cada uma daquelas palavras. elas parecem partir de dentro de mim, mesmo tendo nascido muito antes que eu.
e tudo que faço (e desfaço) é sempre tentando não pensar nesse sentimento que inventei e que continua a me machucar.
"sentimentos são intransferíveis", você me disse, jogando a parcela de culpa que te pertence novamente sobre meus ombros.
o cigarro termina. daqui a pouco levanto, num impulso corto o cabelo com a tesoura da cozinha. amanhã encontro meus amigos para ir ao cinema e acabo mudando os planos para encher a cara e falar mal de você, depois de amanhã só deus sabe. essa dor não dura mais que três semanas.
Mural de avisos
- Ando testando esse formato de começar a newsletter com um textinho autoral. Não vai acontecer sempre, acredito. Mas, em todo o caso, se você não curtir esse modelo, é só pular e continuar para a curadoria de conteúdo que continua logo abaixo
- Acho que o grande assunto da semana é o apagão de zap, face e insta, né? Eu já ando tão enjoada dessas redes que para mim veio quase como um alívio. Ando pensando em continuar fechando os olhos para eles por mais algum tempo, mas vocês continuarão me encontrando por aqui e no Twitter
📅 Dicas da semana
📚 Sobre livros e leituras:
- Conceição Evaristo fala sobre a experiência de ler Anne Frank
- As melhores biografias em formato de HQ, segundo experts
📺Para assistir:
- Está em cartaz até o dia 10 a Mostra de Cinema Africano e até dia 17 o Cabíria Festival – Mulheres e Audiovisual
- O doc sobre o pintor Bob Ross, uma figura muito amada nos EUA que bombou durante a quarentena por sempre trazer mensagens de paz. Você provavelmente não lembra do nome, mas já deve ter visto algum meme com o rosto dele por aí (Disponível na Netflix)
🎵 Para ouvir:
- Uma música para ficar no repeat essa semana aí na sua casa, como ficou na minha
- Já que estamos falando de espaço sideral - quem ouviu a música acima irá entender -, o melhor clipe da melhor música de uma das melhores bandas
(Fun fact: quando eles vieram para o Brasil, em 2016, eu fui no show grávida de sete meses. Não me arrependo, mas não faria de novo)
🧶Outras Dicas:
- Como renovar sua cozinha sem precisar de reforma e sem gastar muito
- Maria Bethânia, não contente em ser apenas a rainha da porra toda, ainda vai nos presentear com um podcast. O primeiro episódio será uma homenagem a outra deusa brasileira, a Clarice Lispector
- Meu médico é anti-vacina. O que eu devo fazer?
- E uma dica de suco verde, que parei de tomar por motivos de preguiça, mas preciso voltar urgente, pois me fazia bem demais
Não sou Pasolini pedindo explicações
Não sou Ginsberg expulso de Cuba
Não sou uma bichinha disfarçada de poeta
Não preciso de disfarces
Tá aqui a minha cara
Falo por minha diferença
Defendo o que sou
E não sou tão esquisito
Me repugna a injustiça
E suspeito dessa dança democrática
Mas não me fale do proletariado
Porque ser pobre e bicha é pior
É preciso ser irônico pra suportar
É preciso se livrar dos machinhos das esquinas
É um pai que te odeia
Porque o filho desmunheca
É ter uma mãe de mãos marcadas pelo cloro
Envelhecidas de limpeza
Te ninando na doença
Com maus modos
Com má sorte
Como a ditadura
Pior que a ditadura
Porque a ditadura passa
E vem a democracia
E descamba no socialismo
E aí?
Que farão com nossos companheiros?
Nos amarram aos montes em fardos
com destino a um asilo de aidéticos cubanos?
Vão nos jogar em algum trem pra parte alguma
Como no barco do general Ibáñez
Onde aprendemos a nadar
Mas ninguém chegou até à costa
Por isso Valparaíso apagou suas luzes vermelhas
Por isso as casas de dançar caramba
Brindaram com uma lágrima negra
Aos carneiros comidos pelos caranguejos
Este ano que a Comissão de Direitos Humanos
não lembra
Por isso te pergunto companheiro
Existe ainda o trem siberiano
da propaganda reacionária?
Esse trem que passa por suas pupilas
Quando minha voz fala muito doce
E você?
O que vai fazer com essa lembrança de criança
Nos bajulando e outras coisas
Nas férias de Cartagena?
O futuro será em preto e branco?
O tempo vai correr noite e dia
sem ambiguidades?
Não haverá uma bicha em alguma esquina
desgovernando o futuro de seu novo homem?
Vão nos deixar bordar pássaros
nas bandeiras da pátria livre?
O fuzil eu deixo pra você
Que tem o sangue frio
E não é medo
O medo foi indo embora de mim
Atacando com facadas
Nos inferninhos sexuais onde andei
E não se sinta agredido
Se te falo dessas coisas
E te olho o volume
Não sou hipócrita
Então os peitos de uma mulher
Não te faz baixar os olhos?
Você não acredita
Que sozinhos na serra
Algo nos aconteceria?
Ainda que depois me odiasse
Por corromper sua moral revolucionária
Tem medo que se enviade a vida?
E não falo de te enfiar e tirar
e tirar e te enfiar somente
Falo de ternura companheiro
Você não sabe
Como custa encontrar o amor
Nestas condições
Você não sabe
O que é carregar essa lepra
As pessoas ficam à distância
As pessoas compreendem e dizem:
É viado mas escreve bem
É viado mas é um bom amigo
Super de bem com a vida
Eu não sou de bem com a vida
Eu aceito o mundo
Sem lhe pedir essa boa-vida
Mas ainda assim riem
Tenho cicatrizes de risos nas costas
Você acredita que eu penso com o pau
E que nos primeiros ovos mexidos da CNI
Eu ia soltar tudo
Não sabe que a masculinidade
Nunca a aprendi nos quartéis
Minha masculinidade me ensinou a noite
Atrás de um poste
Essa masculinidade de que você se gaba
Te enfiaram em um regimento
Um milico assassino
Desses que ainda estão no poder
Minha masculinidade não recebi do partido
Porque me rechaçaram com risadinhas
Muitas vezes
Minha masculinidade aprendi militando
Na dureza desses anos
E riram da minha voz afeminada
Gritando: Ih, vai cair, vai cair
E ainda que você grite como homem
Não consegue tirar de mim
Minha masculinidade foi a mordaça
Não fui ao estádio
E me peguei aos trancos pelo meu time Colo Colo
O futebol é outra viadagem enrustida
Como o boxe, a política e o vinho
Minha masculinidade foi morder as provocações
Engolir a raiva para não matar todo mundo
Minha masculinidade é me aceitar diferente
Ser covarde é muito mais duro
Eu não dou a outra face
Eu dou o cu companheiro
E esta é a minha vingança
Minha masculinidade espera paciente
Que os machos fiquem velhos
Porque nesta altura do campeonato
A esquerda corta sua bunda flácida
No parlamento
Minha masculinidade foi difícil
Por isso não subo nesse trem
Sem saber aonde vai
Eu não vou mudar pelo marxismo
Que me rechaçou tantas vezes
Não preciso mudar
Sou mais subversivo que vocês
Não vou mudar somente
Pelos pobres pelos ricos
Ou outro cachorro com esse osso
Muito menos porque o capitalismo é injusto
Em Nova Iorque as bichas se beijam na rua
Mas esta parte deixo para você
Que tanto se interessa
Que a revolução não se apodreça completamente
A vocês entrego esta mensagem
E não é por mim
Eu estou velho
E sua utopia é para as gerações futuras
Há tantas crianças que vão nascer
Com uma asinha quebrada
E eu quero que voem companheiro
Que sua revolução
Dê a elas um pedaço de céu vermelho
Para que possam voar
Pedro Lemebel
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Creo que me enamoré. Y lo digo escuchando punk. Fui al teatro a buscar una actriz para un proyecto y me fui con novia. Es más grande pero parece más chica. Yo soy chico y soy chico. Me respondió un mail con un signo de interrogación y fue lo más dulce que recibí en un año. Me parece que ella gusta de mí. La voy a invitar a comer y le voy a decir todo lo que me pasó desde aquella noche. Le voy a decir que soñé con ella y no me quería levantar, pero no como siempre. Le voy a decir que quería seguir soñando. Y después le voy a decir que preferí levantarme porque estoy madurando y quiero que sea real. No, mejor no, mejor lo de lo real no se lo digo.
Esteban Menis
Tesourinho
Eu tenho TOC e isso não significa que gosto de ver as coisas limpas, como a Monica de Friends. É muito mais sério que isso e nunca consigo explicar direito. Esse foi um dos melhores vídeos que já assisti sobre o assunto
@ da Semana
(Com todos seus defeitos, eu ainda AMO o Instagram. Graças a um tantão de pessoas bacanas que criam conteúdo por lá, a rede social é uma das minhas maiores fontes de inspiração)
(Em manutenção)
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